Em sua coluna para o jornal Folha de S. Paulo, na última terça-feira (21/11), o brilhante escritor português João Pereira Coutinho discorreu sobre o obsessivo controle dos comportamentos dos cidadãos por parte do Estado e o consequente aumento do número de condutas passíveis de punição legal. Com a habitual ironia, mas sem descompromisso com a realidade, imaginou cinco potenciais crimes que as futuras gerações terão receio de cometer:
1) Crime de imposição de gênero
Os pais deverão abster-se de identificar o gênero dos filhos tomando como referência o sexo biológico dos mesmos.
Durante os primeiros 16 anos de vida da descendência, as tradicionais distinções entre "feminino" e "masculino" serão abolidas —na linguagem, no vestuário, nos brinquedos, até na onomástica. "Ele" e "ela", por exemplo, darão origem à palavra "el@" (pronunciada "el-arroba", como em "El-arroba já voltou da escola?").
2) Crime de ódio privado
Qualquer cidadão que expresse preconceitos raciais, sexuais, culturais ou religiosos em privado poderá conhecer denúncia se alguma testemunha entender fazê-lo. Com a evolução tecnológica, os apartamentos serão obrigatoriamente equipados com sensores antiódio, bastante semelhantes aos sensores antifumo, diretamente conectados com a delegacia do bairro.
3) Crime de apropriação cultural
Serão severamente punidos os cidadãos que, alegando interesse cultural ou razões artísticas, se apropriem de práticas e temáticas de um grupo étnico a que não pertencem. (Exemplos: caucasianos preparando sushi; escritor asiático publicando romance sobre personagem negro).
4) Crime de envelhecimento público
Com os avanços da medicina, será intolerável que um cidadão recuse tratamentos/cirurgias para ocultar/reverter o seu processo de envelhecimento, exibindo em público as marcas da decadência física e/ou neurológica. A imposição da velhice à sociedade será equiparada a um ato obsceno.
5) Crime de interesse sentimental não solicitado
Será punido qualquer adulto que manifeste interesse sentimental não solicitado por outro adulto —através de sorriso, elogio, convite para jantar etc.
O interesse sentimental de um adulto por outro será mediado por um advogado que apresentará ao advogado da parte desejada as intenções do seu cliente. Só mediante autorização da parte desejada é que o proponente poderá avançar para contato telefônico ou digital.
Qualquer outro ato sentimental que envolva "risco de intimidade" implica obrigatoriamente a presença de um tabelião.
Os velhos de amanhã terão que estar inteiros. |