Água com gás

Vou te dizer o que me faz levantar
Sem ela não consigo sair do lugar
Seu gosto é a autêntica satisfação
Mal sou capaz de esboçar reação

Dominada, minha alma desabafa
Desejo sempre mais uma garrafa
O primeiro e o último pensamento
Encantado, elaboro um juramento

Quero tê-la comigo até o dia final
Nossa relação traz prazer abissal
Meu irmão, faz bem para a saúde
Sou tomado pela energia amiúde

Segunda-feira, sexta ou domingo
É parceira para enfrentar o perigo
Me acompanha por toda a pampa
Prenda esbelta e de fina estampa

Que a musa seja, enfim, revelada
E possa assumir qualquer parada
Tu que aqui chegaste descobrirás
Sim, sou louco por água com gás.

A minha companheira purifica e acalma.

Cadavérica

Três e meia da madrugada. É claro que ela ainda não dormiu. Quando foi a última vez que conseguiu descansar tranquilamente? Ouvi dizer que os piores pesadelos acontecem quando estamos acordados. Um fantasma, que a assombra desde a infância, influencia diretamente na forma como ela lida com os desafios diários e se relaciona com as outras pessoas. Alguém que observasse atentamente os olhos dela não encontraria nada além de um inquestionável vazio. Completamente sozinha, luta consigo mesma para não enlouquecer. Não adianta tentar ajudá-la, afinal o buraco é mais fundo do que aparenta e o orgulho a impede de permitir qualquer aproximação efetiva. O final é uma certeza compartilhada, mas nada mais triste do que ser um cadáver que casualmente respira.

"Os mortos são fáceis de encontrar — estão por toda parte à nossa volta; a dificuldade está em achar os que estão vivos."

(Charles Bukowski)

Show de mentiras

Ele tem estilo, é sacana e convencedor
Anda só com motorista, até parece ator
Fecha o camarote e prolonga a saideira
O rei invade a área e permite a besteira

Todos procuram um clique ao seu lado
Tem naipe de galã, é o mais requisitado
A festa bomba somente quando ele vai
Um fenômeno: a sua audiência não cai

Sem nenhum amigo e sem mulher fiel
O jeito é simular no dia a dia um bordel
Correndo das suas mazelas profundas
Pincela um quadro com cores imundas

Quem será que o conhece de verdade?
Cresce um abismo junto com a cidade
O teatro cativou diversos espectadores
Contudo o protagonista oculta as dores.

Perdido em meio às luzes ele esquece quem é.

Para poder entender Belchior

A distância que me massacra
Talvez prenuncie algo melhor
Eu anseio por um só encontro
Para poder entender Belchior

Se for errado, me condenem
Se for certo, que seja bonito
Parar não é mais uma opção
Ela percebeu que não minto

Um comentário foi suficiente
Para a conexão ser iniciada
Desconheço se existe limite
Pensando na causa amada

Sou evidentemente sofredor
Encarcerado, não quero sair
Deve ter quem compreenda
E consiga apostar no porvir

Foi culpa de tanta formosura
Maldita seja toda a erudição
Inebriado, desisti de evitá-la
Quando ouço nossa canção

Educado a reprimir o desejo
Arremessei tudo para o alto
Bom se fosse apenas lance
Mas nós sentimos, é de fato.

Eu disse "sim" à paixão morando na filosofia.