terça-feira, 24 de abril de 2018

Semideuses

Me apresentem aos desafortunados
Alguém que tem metade dos dentes
Uma mulher que foi traída há pouco
Eu quero conhecer os descontentes

Nada contra a gente bem-resolvida
Mas vida monótona chega a minha
Faz tempo que tudo está em ordem
Preciso colher alguma erva daninha

Todo mundo é um enorme sucesso
Só convivo com homens confiantes
Todas as meninas parecem misses
Onde foram parar os seres errantes?

Amanhã o esgoto terá um bom odor
Não haverá mais sangue a derramar
Só restaurante com comida saudável
Mundo muito correto para se habitar

Não passo por nenhum ser humano
Partilho a calçada com semideuses
E somos incrivelmente semelhantes
Ainda germinam gêmeos siameses

Me olho no espelho e nada enxergo
Minha voz parece ecoar para dentro
Talvez eu esteja em outra dimensão
Porque tentei demais ficar no centro.

Todo mundo é um enorme sucesso

terça-feira, 10 de abril de 2018

Cortinas fechadas

Filmes de terror não me abalam mais. Dois litros de vinho não são o bastante. Represento a inércia e atuo em uma peça com cortinas fechadas. Me ligar é inútil, pois estou permanentemente sem telefone móvel. Também não ligo para ninguém. Nem um pouco difícil é me encontrar, mas possivelmente falte interesse em procurar. Eu tenho buscado por mim com algum afinco. Você percebe que se tornou suficientemente insensível quando fica mais de um ano sem ver uma pessoa com a qual conversava todos os dias e sequer sente saudade dela. Quase tudo pode ser substituído. Relações humanas têm obsolescência programada. Também já fui, sou e serei trocado. Notar que o mundo continuará funcionando normalmente quando você não estiver mais habitando ele pode ser doloroso, porém é enxergar a realidade. Constatei que a maior parte dos homens e das mulheres não gosta de encarar os fatos. Sinto por isso, só que cansei de ser orientado pela ilusão. Saio de cena com a cabeça baixa, incapaz de me emocionar.

A entusiasmada plateia está sedenta pela apresentação.